Normalmente, basta se unir o conceito de “rede social” ao de “revolução” e um mar de exemplos corre às nossas mentes, todos aflitos por comprovar o tanto que mídias como Twitter, Facebook e outras contribuíram para transformar o mundo em um lugar melhor.
O que (infelizmente) ocorre com igual contundência é a falta de qualquer esforço em se analisar, de forma realmente aprofundada, a anatomia das mudanças catalisadas pelas redes. Afinal, mídias sociais foram realmente responsáveis por mudar o mundo? Caso positivo, como? Com que papel?
Por natureza, toda revolução tem um ciclo que, dure mais ou menos, costuma seguir o fluxo ilustrado abaixo:
O “Antes”
Em revoluções “pré-Internet”, por assim dizer, o período que costumava anteceder qualquer grande ruptura precisava de um tempo longo para que críticas efetivamente ganhassem o status de protestos.
Ao longo de toda a idade média, por exemplo, a ascensão e queda de dezenas de nações foi sempre precedida por momentos de convulsão social gerados por fatores internos (como crises) ou externos (como invasões).
E, verdade seja dita, é justamente a força desse momento pré-revolucionário que define o que ocorrerá nos capítulos seguintes. Sob o aspecto da sociedade prestes a entrar em uma revolução, o clima pode ser definido pela seguinte soma de características:
a) Há uma concordância geral sobre erros cometidos pelas atuais lideranças
b) Há uma clareza por parte da população de que o diálogo não mais está funcionando
c) O grau de descontentamento se transforma em um traço cultural comunitário: todos já se sentem “unidos pela discordância”
d) O descontentamento atinge um ponto já insuportável
e) Algum evento interno faz com que as massas transformem as suas vozes em ação, erguendo-se contra um regime que não mais toleram
Quando esses cinco elementos se transformam em realidade, uma revolução começa a se por em prática.
A anarquia e as redes sociais
É justamente neste ponto que as redes sociais entram como grandes catalisadoras de mudanças. A partir do momento em que se instaura uma situação de “união pela discordância”, há também uma massa de articulações e interações sobre protestos se fazendo fisicamente presentes.
Foi um evento postado no Facebook que iniciou os protestos na Praça Tahir (centro do Cairo), onde, originalmente, os organizadores esperavam encontrar apenas um punhado de idealistas (mas se depararam com centenas de milhares deles).
Na Líbia, foram as redes sociais que acabaram chamando a atenção do mundo e ganhando o fundamental apoio da ONU para derrubar o governo de Kadhafi.
Além desses, outros países, da China ao Brasil, tem mostrado a força que as redes sociais podem desempenhar no “armamento ideológico” de uma população insatisfeita com as suas lideranças políticas.
Paradoxalmente, no entanto, essa é também a maior limitação das redes sociais: é mais fácil concordar que algo está errado do que concordar com o caminho exato que deve ser seguido para corrigir os rumos de uma sociedade.
Ou seja: por todo o mundo, as redes desempenharam um papel fundamental na “desorganização social” necessária para se instaurar crises políticas ou revoluções – mas falharam de forma singular quando o assunto passou a ser a organização de uma nova sociedade.
O “Durante” e o “Depois”
Depois da morte de Kadhafi, a Líbia praticamente desapareceu do noticiário global e, ainda em pleno caos revolucionário, soma incontáveis relatos de violência (especialmente contra mulheres e crianças), aumento da miséria e uma instabilidade politica que parece sem fim. Os “ouvidos” do mesmo mundo que apoiou o país africano, no entanto, parecem agora estar fechados.
No Egito, por sua vez, os mesmos militares que apoiavam Mubarak foram responsáveis por manter um mínimo de ordem enquanto os revolucionários decidiam os rumos da nova sociedade. Estes, no entanto, falharam de forma absoluta em se organizar e em compor uma estrutura política mais antenada com os ideais pelos quais lutaram.
Foi justamente do embate entre facções políticas curiosamente opostas que se deu a verdadeira revolução e contra-revolução egípcia – e é de lá que está emergindo uma nova sociedade.
Como? A partir de uma eleição democrática que teve, nos dois principais candidatos, o oposto de todos os ideais bradados na Praça Tahir.
De um lado, Mohamed Morsi, candidato da Irmandade Muçulmana, religioso radical que prega loucuras como o banimento de mulheres da política e tem uma ideologia perigosamente próxima à do Irã. Do outro, Ahmed Shafik, ex-primeiro ministro de Mubarak e considerado um novo déspota com grande sede de poder.
Em resumo: o resultado dos clamores dos milhares de egípcios por uma sociedade mais livre e justa acabaria – democraticamente – nas mãos de um fascista muçulmano ou de um fascista de direita.
No final, Morsi venceu as eleições – mas o seu histórico ideológico dificilmente dá espaço a convicções de que as “revoluções das redes sociais” foram (ao menos por enquanto) para o melhor.
As redes sociais falharam?
A resposta para essa pergunta depende do ponto de vista. Enquanto ferramenta de disrupção do status quo – algo fundamental para qualquer revolução – elas alcançaram níveis de sucesso jamais vistos na história.
Todavia, a reorganização efetiva de uma sociedade depende de fatores que vão sempre muito além de protestos em 140 caracteres.
Novas crises e revoluções devem continuar vindo como em toda a história. Em cada uma delas, sangue será derramado, ideais serão gritados e novas lideranças aparecerão para guiar os seus povos para futuros cujas promessas serão sempre melhores que as realidades.
Mas, por mais que nada tenha mudado nas ambições humanas desde o princípio dos tempos, essas novas armas – as redes sociais – mudaram definitivamente a forma de se brigar pelo poder.
Seja qual for o ponto de vista, é sempre válido observar os líderes que estão emergindo desse novo e conectado tipo de revolução: afinal, foram eles os vencedores das primeiras guerras definidas pela manipulação e mobilização de massas pelas anárquicas redes sociais.
FONTE: CorpTV
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